21/03/2019

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Dormi dentro do carro ontem, no meio da rua. Não costumo fazer isso mas por sorte nada me aconteceu. Também demorei um pouco mais para acordar do que o de costume, despertei apenas depois do sol que vinha pelo pára-brisa do carro começar a incomodar meu rosto.

A dor de cabeça matinal não é novidade mas se acostumar com ela é algo que pelo jeito nunca irá acontecer. Desci do carro para esticar as pernas e pela força do sol já era mais tarde do que eu pensava.

Alcancei uma garrafa sobre o painel do carro e decidi caminhar entre os galpões para certificar que nada de errado poderia acontecer. Tudo estava em ordem a primeira vista. As paredes dos galpões eram de alvenaria, exceto um que fora feito com containeres, e todas estavam em bom estado.

O ponto fraco de muitos galpões eram suas portas de entradas. A ferrugem atacava boa parte deles e alguns haviam sido arrombados e só estavam segurando os zumbis por conta de gambiarras que fiz. O que mais me preocupava era o segundo galpão que enchi, apenas o carro fazia o contrapeso impedindo a abertura da porta e ainda fico com certo receio dos zumbis terem força o bastante para empurrá-lo.

Depois da ronda voltei para o carro e em meio aos mantimentos encontrei uma lata de feijoada e uma de sardinhas, eram o bastante para mim. Dirigi o carro por alguns metros para tirá-lo da rua e pô-lo sob a sombra de uma grande arvore e só então comi.

Descansei por algum tempo após a refeição e depois disso voltei a fazer o mesmo dos últimos dias. Levei o carro até um cruzamento próximo dali, acionei o alarme e esperei a primeira leva de zumbis chegarem. Assim que se amontoaram numa quantidade interessante era a hora de levá-los para o galpão.

Fiz o mesmo processo mais duas vezes no dia e tinha conseguido um bom número de mordedores até ali. Normalmente faço mais uma viagem, mas por ter começado mais tarde hoje acabei por me atrasar. Já era quase cinco da tarde quando terminei de trancar a terceira leva de mordedores e provavelmente já seria noite quando eu estivesse fazendo o mesmo processo com a quarta, caso decidisse fazer.

Passei alguns momentos decidindo o que fazer, estava incerto, porém mais alguns goles de álcool deram a certeza que eu precisava e decidi voltar pra mais uma viagem.

Fiz o mesmo procedimento de sempre e como o esperado a noite começara a cair no momento em que eu voltava até os galpões. Não era interessante, nem prudente, fazer isto a noite mas como eu já estava tão acostumado com a rotina acabei por não ter tantos problemas.

Depois de trancar os zumbis eu decidi caminhar para matar a ultima garrafa de bebida do dia e então ir dormir. Esta noite não quis dormir no carro e aproveitei a caminhada para ir até uma pequena casa que eu limpei e aprontei para passar a noite desde que decidi ficar nesta área dos galpões.

Tudo parecia bem até o momento, mais um dia praticamente igual ao anterior, até que algo surgiu para quebrar isto.

A poucos minutos de alcançar meu destino, enquanto atravessava o estacionamento de um mercado, eu notei algo na rua da frente. Um carro parado ao lado da estrada, com alguns zumbis em sua volta e alguém lutando contra eles.

O excesso de álcool e a escuridão noturna atrapalhavam minha visão e de longe não pude distinguir exatamente quem eram os zumbis e quem eram pessoas. Ouvi gritos de socorro vindo do carro e saquei a arma mas não estava seguro em atirar, não conseguia calibrar a mira então baixei a pistola.

"Droga!" – Exclamei internamente.

Caminhei para mais próximo do carro e soltei a garrafa que trazia nas mãos. Enquanto me aproximava, mais uma vez tentei por algum zumbi sob a mira, mas a confiança para isso não fazia mais parte de mim.

Minha mão estava trêmula, minha visão turva e minha confiança abalada, eu não estava pronto pra aquele disparo. Com mais dois passos à frente eu ergui novamente a arma e usei as duas mãos para estabilizar a mira. E em meio a um grito de desespero e raiva disparei a arma.

Atirei duas, três, quatro vezes. Sentia a arma balançando excessivamente e acabando com todo meu esforço em controlá-la. Não sabia em que tinha acertado ou não, mas a continuar caminhar já estava próximo o bastante do carro para acertar os zumbis com as mãos.

O primeiro que se aproximou de mim foi derrubado por uma coronhada certeira na cabeça. Atirei em mais um que vinha logo depois mas consegui acertar apenas seu peito. Depois de dois disparos sabia que não conseguiria manter a mira estável para um tiro na cabeça e parti correndo para cima dele, o empurrando sobre a mala do carro, agora com o mordedor parcialmente imobilizado eu consegui acertar o disparo já a queima roupa.

Em seguida fui para cima de um zumbi que investia contra o vidro do carro, o agarrei pela camisa e o puxei para trás tentando derrubá-lo. Tive êxito em derrubar o zumbi mas me atrapalhei e acabei caindo junto com ele. Tentei fazer postura o mais rápido possível para atirar e ainda no chão puxei o gatilho mas pra minha infelicidade não havia mais munição na arma.

Logo tentei me levantar o mais rápido que pude mas o zumbi foi mais rápido e me atacou primeiro. Pus o braço esquerdo na minha frente e interrompi a investida do mordedor com o antebraço bem abaixo do seu queixo. Eu não tinha tanta força e o zumbi ainda conseguiu se aproximar e com uma movimentação frenética do maxilar quase alcançou meu rosto.

Caminhei para trás evitando a mordida e dei de costas na lateral do carro. Continuei a medir forças com o mordedor mas sabia que não seria capaz de segurá-lo por muito tempo. A mão em que portava a arma estava na pressionada contra a barriga do zumbi e eu a levantei bruscamente acertando alguns golpes em seu queixo, mas não foi o bastante.

Levantei o braço e acertei mais duas coronhadas na cabeça do mordedor e com as últimas forças que tinha usei o antebraço para empurrá-lo para o lado e continuei golpeando. Acertei a cabeça do desgraçado inúmeras vezes descontando meu excesso de raiva ali.

Levantei fatigado e ofegante, olhando para todos os lados com a adrenalina a flor da pele pronto para me atracar com outro mordedor, mas não havia mais nenhum.

Dei a volta no carro para ter certeza e após confirmar que não havia mais perigos imediatos eu abri a porta do carro do lado do motorista. Lá dentro enxerguei um casal de jovens, deviam ter por volta de seus 16 anos, eu estava com a arma em punho no momento e ambos me olhavam ainda aterrorizados.

- Dêem o fora daqui. – Fui bastante enfático ao falar e fechei a porta do carro para partir.

Já havia dado as costas para o carro e começado a caminhar quando ouvi uma voz vinda de trás de mim.

- Espera, por favor. – O rapaz fala.

- É. Não nos deixe aqui. – A garota reforçou.

Eu parei por um segundo mas voltei a caminhar sem olhar para trás.

- Por favor, cara. Não vai embora. Não temos para onde ir. – O rapaz continuou. – Por que nos salvar se irá nos deixar para morrer?

Continuei a caminhar...

Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now