20/12/2018

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Caminhamos por muito tempo ontem e chegou um momento que eu pensei que não encontraríamos um abrigo para que pudéssemos descansar antes do cair da noite. E quando o sol já ameaçava sumir no horizonte nós avistamos as silhuetas de uma cidade mais a frente.

Apertamos o passo para alcançar logo ao menos as primeiras edificações da cidade e mesmo assim só conseguimos chegar lá junto com o anoitecer. A noite não estava tão escura e a lua nos ajudou como um guia até encontrarmos um lugar para ficar.

Havia uma casa de muros altos, bem próxima da entrada da cidade. O portão de acesso havia sido arrombado mas tirando isso o lugar parecia estar em boas condições. Vasculhando uma das bolsas deixadas por Felipe, Barbara conseguiu encontrar um de nossas lanternas e a usamos para enxergar melhor o que havia no interior do imóvel.

Ficamos no jardim e Barbara apontou a lanterna em direção a porta da sala enquanto eu batia com a faca na grade metálica que fazia o limite entre o terraço e a área externa da casa. Fiz isso para chamar atenção de possíveis zumbis que pudessem estar lá dentro, mas mesmo depois de alguns minutos e várias batidas não vimos nenhum sinal de movimentação lá dentro.

A grade estava aberta, mas não arrombada como o portão que dava acesso ao jardim. Isso é bom pois podemos encontrar uma corrente ou algo para trancá-lo mas ainda temos problema com o portão externo aberto. Já observei que há cadeiras e um centro de mesa no terraço que podemos usar como uma pequena barricada, mas antes de tudo precisamos conferir o resto da casa.

Fui a frente com a arma que havia pegado de Edinho, eu sinceramente me sinto mal em portá-la mas foi a única arma de fogo que nos resto já que Felipe levou todas as outras com ele. Barbara estava logo atrás de mim com a lanterna e também uma faca na outra mão pronta pra o que quer que aconteça.

A priori não estávamos em busca de suprimentos nem nada mais refinado, queríamos ter certeza apenas de que não havia algum zumbi por ali então não fizemos uma busca tão minuciosa. Passamos pelos cômodos da casa e após conferir tudo tivemos certeza que estávamos sozinhos ali.

Voltando ao jardim para recolher nossas coisas eu falei a Barbara sobre minha idéia da barricada no portão e ela concordou e me ajudou a fazê-la. Não me parecia muito segura mas ao menos era uma barreira a mais para ao menos evitar surpresas, já que qualquer um que tentasse passar por ali ao menos agora faria barulho o suficiente para nos deixar alertas.

Não achei correntes na casa para bloquear a grade então usei as correias de uma das bolsas para manter ao menos a grade fechada e na porta da sala usamos uma barricada com um dos sofás. O lugar estava bagunçado mas não tanto assim, apenas alguns móveis fora do lugar e roupas e alguma sujeira espalhada pelo chão, nada muito diferente do que costumamos ver.

Aqui ao menos estávamos protegidos da chuva, do frio e do ataque imediato de zumbis ou humanos. Na casa havia dois quartos e um deles com duas camas de solteiro. Eu peguei minha bolsa e levei para um deles, no qual eu pretendia dormir.

Ao voltar para o corredor fui até a cozinha onde Barbara preparava algo para comermos. Eu não estava muito aberto para conversas e Barbara respeitou isso, ela parece saber bem o que eu sinto. Comemos, os dois em silêncio, e logo estávamos para dormir e pra ser bem sincero era apenas isso que queria ao fim desse dia, mas duvido muito que eu consiga.

Fui para sala e me recostei no sofá que assegurava a porta fechada e Barbara ficou numa poltrona mais ao canto. Ela permaneceu ali um tempo, talvez esperando que eu abrisse espaço para conversa mas ao ver meu distanciamento ela se retirou.

Não muito depois disso eu também segui caminho para o quarto, estava prestes a entrar naquele das camas de solteiro que eu havia escolhido quando ouvi a voz de Barbara me chamar. Ela me pediu para ir para o seu quarto, não sei por que mas acatei sem questionar. Talvez por já saber que eu não iria conseguir dormir, tendo ela ao meu lado eu ao menos teria uma companhia.

Deitei ao lado de Barbara na cama e vi as horas noturnas passarem lentamente enquanto meus olhos custavam a fechar. Sentia o corpo dela remexendo-se sobre a cama e eu permaneci imóvel olhando pro forro cinzento sobre nossas cabeças. Tenho problemas pra dormir talvez por medo do que encontrarei nos meus sonhos.

Sinto-me sozinho neste quarto. Não tem nada a ver com Barbara e sim tudo e completamente a ver comigo. Por mais que eu não quisesse admitir, no fundo sabia que Edinho era a única família viva que eu ainda tinha comigo. Levava esta busca pelo nosso grupo apenas como uma forma de manter a chama da esperança acesa, tanto a minha quanto a dele. Mas hoje? O que eu tenho? O que restou de mim?

A cada dia que se passa eu me pareço mais com um destes mortos-vivos que apenas vaga aleatoriamente por aí, caminhando infinitamente em busca do nada, seguindo lentamente pro caminho do fim.

Eu costumava me sentir um peso morto antes do mundo acabar e por mais coisas que eu fizesse ou tentasse sempre acabava sentindo que estragava tudo aquilo em que tocava e quando tudo o que eu tinha acabou, com o início do apocalipse, eu cheguei a pensar por um momento que aquele pudesse ser minha oportunidade de redenção, de fazer bem tudo aquilo que nunca conseguira fazer. Eu era bom em proteger minha família, ou ao menos pensei que fosse, mas a realidade é que não. Me pergunto mais uma vez por que diabos estou aqui. Entre tantas e tantas mortes eu não vejo o porquê da minha vida ser poupada.

No meio da noite o braço de Barbara cruzou-se sobre meu peito e ela se aconchegou mais próxima a mim, recostando a cabeça em meu ombro, posso sentir o cheiro dos seus cabelos. Talvez ela tenha razão, não posso me dar ao luxo de fugir de quem eu sou e do que tenho de fazer, ela precisa de mim e eu não posso falhar mais uma vez.

O problema é que percebo que a cada dia que passa, tudo que eu pensava ser, na verdade pelo jeito não sou.

Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now