22/11/2018

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Não posso acreditar que voltei a escrever neste diário. Depois da primeira vez que o tive em mãos e da reação do Jotah ao ver que eu escrevi nele pensei que não voltaria a usá-lo como meu confidente nunca mais. E pior do que voltar a escrever nele, é voltar por um triste e angustiante motivo assim como da primeira vez.

Antes de chegar a Recife ficamos encurralados por zumbis e escombros em uma cidade da região metropolitana e tivemos que dividir o grupo para acharmos uma passagem mais livre. Então eu segui com Luciano, Alessandra, Dayse e as meninas na Ranger enquanto Jotah foi com Igor, Leonardo, Rodrigo e Castilho no eco Sport e Edinho na moto.

Precisávamos chegar logo ao navio, Luciano estava com o pulso fraco e não tínhamos muito tempo. Seguimos pela cidade até encontrar um caminho mais livre e passamos um rádio para que eles viessem até nós, mas foi aí que as coisas pioraram de vez Edinho e Jotah não voltaram.

Apenas Igor, Castilho, Leonardo e Rodrigo chegaram até nós, eles não avisaram nada pelo rádio sobre algo que tivesse dado errado e nem mesmo nos avisaram que os dois não estavam com eles.

Eu estava em pé ao lado da ranger e assim que vi o carro de Edinho aparecer ao longe retomei ao volante e segui em direção ao porto antes mesmo que eles nos alcançassem, não tínhamos tempo para delongas tínhamos que salvar a vida do Luciano, e até esse momento eu não fazia ideia de que as coisas não tinham saído como o esperado. Alguns instantes depois eu percebi a ausência da moto do meu irmão, também achei estranho o fato deles não emparelharem o carro com o nosso e nem falarem mais nada no rádio, então reduzi e acionei o pisca alerta para que se aproximassem e mesmo assim eles não chegaram tão perto. Logo após eu parei o carro.

Desci do carro assim que parei e pedi que as meninas continuassem nele. Alessandra e Dayse estavam na caçamba oferecendo os primeiros socorros a Luciano tentando parar o sangramento e estranharam a parada repentina mas nada falaram.

Segui a passos largos em direção ao carro de Edinho e logo que me aproximei vi espaços vazios nos assentos do carro mas não conseguia distinguir ainda quem não estava lá. Vi Igor sair rapidamente da direção do carro mas eu acelerei ainda mais os passos para conseguir chegar ao carro antes que ele me interrompesse.

A poucos metros do carro pude perceber que realmente havia assentos vazios. Edinho e Jotah não estavam lá.

Não acreditei no que vi e corri rápido pelos poucos metros que me afastavam do carro, antes que conseguisse abrir a porta Igor me agarrou e me pediu calma incessantemente mesmo eu ainda não tendo proferido uma única palavra. E continuei assim, sem dizer uma única palavra, quando confirmei a ausência do meu amor e de Edinho a única coisa que consegui fazer foi derramar lágrimas enquanto sentia um aperto excruciante no peito.

De longe, Alessandra e Dayse só observavam sem saber o que de fato ocorria. Caí no chão com meu irmão abraçado a mim e depois de alguns segundos comecei a perguntar com um nó na garganta o que havia acontecido e porque eles não estavam na droga do carro.

Meu irmão me encarou com um olhar que eu era a única que conhecia. Lembro deste mesmo olhar no dia em que sofremos um acidente de carro com nossos tios, o carro saiu da estrada e caiu numa ribanceira. A capotagem deformou toda a lataria prendendo todos às ferragens, menos eu.

Eu tinha 14 anos na época e estava aterrorizada, chovia e o breu era total, estava ferida e extremamente assustada mas esse olhar do meu irmão foi o que me fez enfrentar meus medos e sair do carro em busca de socorro. Eu era a única que podia fazer algo para salvar nossas vidas e só consegui fazê-lo por conta dele me convencendo a fazer tudo o que meu corpo pedia para não fazer.

Assim que vi novamente isto acontecer notei que eu precisava enfrentar meus medos e fazer o que deveria ser feito, voltei a mim e recuperei uma frágil sobriedade que foi o bastante para me relembrar de que precisávamos de ajuda urgente para salvar Luciano.

Então sem ser dito nada me levantei tal qual o dia do acidente com meus tios e retribui o olhar a meu irmão que instantaneamente sabia que eu o seguiria mais uma vez. Voltei correndo para Ranger e assim que liguei o carro Dayse falou pela janela traseira que dava acesso do interior do carro a caçamba.

Ela perguntava o que tinha acontecido e eu a avisei que Edinho e Jotah já estavam a nossa frente com a moto pois tinham seguido por um outro acesso que a EcoSport não tinha conseguido passar.

Continuamos em direção ao porto o mais rápido possível mas não podíamos ir tão depressa pois não seria seguro pra quem estava na caçamba.

Depois de alguns quilômetros percorridos ouvi batidas no vidro traseiro, era Alessandra pedindo para que parasse o carro. Novamente logo que parei o carro desci em disparada para ver do que se tratava e vi Dayse aos prantos debruçada sobre o corpo imóvel de Luciano.

Fiquei extasiada ao ver aquela cena e apenas observei com os olhos vidrados enquanto meu irmão e Leonardo subiam na caçamba tentando ajudar.as garotas.

Heloíse e Jennifer estavam tão assustadas com tudo quanto eu mas a curiosidade infantil fez elas descerem do carro para espiar o que acontecia pouco depois senti um puxão no braço, era Castilho me pedindo ajuda para levá-las ao outro carro e não deixá-las ver aquela cena terrível.

Ficamos os quatro abraçados sentados no banco de trás da EcoSport tentando consolar uns aos outros por cerca de meia hora até que Rodrigo veio até o carro avisar que Igor queria falar comigo.

Quando cheguei próxima ao carro vi meu irmão sentado ao lado de Luciano. Os dois estavam com seringas nos braços e então percebi que tinha sido feita uma transfusão de sangue para salvá-lo.

Igor me fez aproximar-se mais e falou baixo ao meu ouvido que não podíamos perder mais tempo e mais do que nunca seria necessário cuidados médicos urgentes para Luciano. Parte de mim lutava para voltar em direção ao Jotah, outra parte queria gritar com Igor e saber o que realmente tinha acontecido a eles mas o que me dominava no momento era a vontade de salvar a vida de Luciano e evitar mais sofrimentos a Dayse.

Voltei logo a EcoSport mas desta vez me sentei no banco da frente com Rodrigo ao volante, Igor não podia sair da caçamba pois estava cedendo sangue a Luciano e Dayse ficou a acompanhá-los. Com Alessandra a frente dirigindo a Ranger seguimos a toda pelos quilômetros restantes que nos separavam do navio e da nossa salvação.

Quanto mais nos aproximávamos mais a nossa moral subia e eu já pensava em como voltar para resgatar Jotah e Edinho de seja lá qual for a situação em que eles se encontrem mas da qual eu tenho certeza de que estão vivos.

Está próximo de escurecer mas estamos muito perto de lá, já vimos placas que indicam a direção do porto, em minutos estaremos a salvo e tenho certeza que teremos suporte para resgatar Edinho e Jotah e trazê-los pra cá


23/11/2018

Não há navio...


Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now