04/03/2019

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Continuei pela região e não esmoreci perante o caminho que decidi trilhar. Mantive o trabalho com as pistas falsas, e tendo surtido efeito ou não, ninguém que eu não queria cruzou meu caminho. Não perdi a vontade de acertar as contas com Frank, mas com certeza isto ficou em segundo plano perante meus novos objetivos.

A minha jornada para evitar que mais pessoas caíssem nas mãos dos homens do comandante vem trazendo resultados satisfatórios. Tirei muitas do caminho da morte nas ultimas semanas, nunca pensei que pudesse encontrar e influenciar tantas pessoas.

Praticamente todos os encontros foram breves e bem semelhantes ao segundo que tive. Sempre surgia de surpresa, informava o suficiente, deixava o necessário e partia. Nas rondas de costume encontrei livros escolares com mapas da região numa papelaria e os entreguei junto com suprimentos às pessoas que eu encontrava.

Em todos os mapas eu havia circulado em caneta vermelha a área, que até onde sei, delimita o raio de ação dos grupos de busca. Também havia pontos onde identifiquei há presença de homens de reconhecimento e deixei claro nos mapas que estes eram locais a serem evitados.

Eu sei que poderia ter aproveitado desse conhecimento para atacar os homens nos pontos que identifiquei, mas meu trabalho de desviar os sobreviventes desta área se tornava muito mais simples se não houvesse ninguém no meu encalço.

Tendo em vista o tempo decorrido desde a última vez que esbarrei com alguns deles, na noite em que eu e Frank brigamos, a essa altura já devem ter desistido de me encontrar. Ainda mais se conseguiram capturar Frank nesse meio tempo.

Minha rotina seguia basicamente o mesmo itinerário dia após dia. Após a refeição da manhã eu vagava com o carro para algum lugar especificado por mim um dia antes, deixava o veiculo e partia a pé. Plantava as pistas falsas em algum lugar e então voltava para o carro e seguia para outra região.

A chegar ao segundo ponto, largava o carro mais uma vez e seguia a pé atrás de pistas ou do rastro de sobreviventes que estivessem pela área. Os procurava, identificava, os seguia com cautela e quando sentisse ser à hora certa os abordava e fazia o que disse antes.

Acostumei-me a fazer isso até tarde da noite, quando não perambulando por aí, o fazia a partir de um local alto que eu conseguisse acesso. Me estabelecia e sondava a região a vista dali até que meus olhos perdessem a guerra contra o sono.

Nem em todos os dias encontrei alguém, na verdade na maior parte deles não vi nada além de zumbis e sujeira. A vida tem sido um tédio e enjoativa, além da solidão como uma companheira fiel. Os pesadelos à noite me importunavam como nunca, talvez muito por conta do fim das sessões de frenesi.

Agora com muito tempo livre para pensar as memórias ruins se digladiam em minha mente. Desde a morte de Kleber até o rapto de Barbara, todos esses momentos inundam e entorpecem minha mente. Por isso luto pra dormir o mínimo possível e sigo religiosamente minha rotina, foi a única maneira que encontrei para tentar não perder o controle.

Os momentos em que consigo encontrar e aconselhar alguém me confortam, mas temo a aproximação dos dias em que eles não serão o suficiente.

05/03/2019

Hoje pela amanhã, após me alimentar, peguei o carro como de costume mas dessa vez optei por ir a algum lugar mais afastado. Nos últimos dias não encontrei ninguém e nem achei uma pista sequer então julguei que seria produtivo se afastar mais um pouco atrás de algo.

Não me importei em plantar pistas hoje, como já estava indo para um local novo e um tanto afastado, considerei não ser necessário. Levaria algum tempo de carro até alcançar o ponto desejado e liguei o som para distrair e passar o tempo. As musicas como sempre não eram minhas favoritas mas qualquer coisa a essa altura era melhor que o silêncio.

Próximo de alcançar o local que queria eu avistei algo na estrada em que vinha, ainda estava distante mas decidi reduzir a velocidade e acompanhar com cuidado. Ao me aproximar um pouco mais consegui ver que se tratava de um carro, isolado e largado no meio da rodovia.

De fato não é nada incomum encontrar automóveis abandonados por todas as partes, afinal eles estão aos montes por aí, mas apenas um largado no meio de uma estrada afastada como essa não é algo tão habitual.

Continuei o caminho atento enquanto me aproximava, observei bem os arredores com receio de alguma emboscada apesar do local não parecer suscetível a isso. Ao chegar perto tudo indicava que aquele era apenas um carro abandonado por aí, mas algo me parecia familiar.

Com a velocidade bastante reduzida e observando melhor eu notei que havia pessoas dentro dele e que aquele carro não era apenas mais um veículo abandonado. Parei o carro em que vinha e desci para averiguar, a poucos passos do automóvel as lembranças ficaram claras na minha mente.

Ao chegar ao lado da porta do motorista e ver melhor quem estava no seu interior eu puder ter certeza do que se tratava. Aquele era o antigo carro em que eu e Frank estávamos, àquele que ele tirou do galpão que eu esvaziei após nossa briga. Aquele era o carro que demos aos sobreviventes que encontramos na cidade e eram os corpos deles que estavam ali dentro.

O tio ao volante, a menina e o garoto abraçados no banco de trás. Todos crivados de balas, assim como boa parte do carro. Dei alguns passos pra trás, após ver e perceber a cena me virei de costas e sentei ao chão ao lado do carro. Com as costas encostadas à roda dianteira eu chorei e senti o mundo desabar sobre a minha cabeça.

Era impossível dissociar essas mortes da minha conta. A decisão de entregar-lhes o carro foi tomada pelo Frank mas em conluio comigo, na época sabíamos da real intenção do que se tratava aquele ato. Eu apenas pensei nunca ser confrontado pela conseqüência daquilo.

Meu mundo foi abaixo e todos aqueles pensamentos que eu tanto tentei evitar inundaram avassaladoramente minha mente. Uma sensação péssima emanava do meu peito e percorria minhas veias, o sentimento era tão ruim que chegava a sufocar.

Tossi até vomitar todo o café da manhã e chorei numa mistura de arrependimento, culpa e raiva. E o pior de tudo é que não havia em quem descontar, a raiva não era de outrem mas sim de mim mesmo.

Respirei fundo tentando me acalmar mas minha cabeça não permitia, ficar parado ali estava me enlouquecendo ainda mais. Levantei e caminhei até o carro, entrei e arranquei a toda velocidade. Segui caminho pela estrada dirigindo no limite em que o carro podia chegar, em vários momentos beirei a desgovernar o carro e sair da pista mas algo me manteve ainda nela.

Após algum tempo dirigindo assim freei abruptamente e virei o volante por completo fazendo o carro deslizar e girar pela estrada até subir o acostamento e parar no terreno ao lado da pista. As rodas deslizando sobre o solo fizeram a poeira subir e encobrir toda a região ao meu entorno.

Após a dissipação da nuvem de poeira eu abri a porta do carro e desci sem levar nada comigo. Caminhei seguindo a direção em que estava e não muito longe dali, sem nem sequer perder o carro de vista, cheguei a um pequeno bar a beira da estrada.

Pela primeira vez entrei numa dessas pocilgas, após o apocalipse, sem ser a procura de abrigo. Pulei o balcão e alcancei a primeira garrafa que vi na prateleira, junto a ela peguei um copo. Abri a garrafa e despejei o liquido nele até transbordar e tomei a primeira dose, que deu espaço para a segunda, e terceira, e quarta, e quinta... E assim segui até afastar da minha cabeça qualquer tipo de pensamento. O tempo restante do dia era longo, assim como o número de garrafas que esperavam por mim naquele bar.

Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now