19/12/2018(Continuação)

459 40 13
                                    


- Eu te amo. – Foram as últimas palavras de Edinho.

Dali seguiu-se um grito meu, tão alto e forte que quase chegou a encobrir o barulho do disparo que veio em seguida. Me debrucei sobre seu corpo e gritei a todos os pulmões. Eu nunca senti tanto ódio na vida.

Continuei debruçado sobre o corpo inerte de Edinho por mais alguns minutos, chorando e tentando conseguir forças para me tirar dali. Eu precisava me reerguer e engolir as lágrimas, neste mundo não mais lugar para o luto.

Barbara já se aproximava de mim quando eu retirei o corpo de Edinho de cima do meu colo.

- Cadê o Felipe? – Falei enquanto passava a mão pelas pernas retirando o excesso de terra. – Vamos embora daqui.

- Vamos um passo por vez. – Barbara disse levando a mão em direção ao meu ombro.

- Não. – Disse interrompendo seu gesto. – Eu não quero seus pêsames. Não estou de luto.

- Eu sei pelo que você está passando e não precisamos discutir, mas...

- Ótimo. Não precisamos. – Falei a interrompendo. – Assunto encerrado. – Conclui e iniciei a caminhada de volta pra estrada.

- Espere! Nós precisamos enterrá-lo.

- Não! – Interrompi minha caminhada para respondê-la. - Não precisamos. Essa coisa aí não é meu tio, é só um corpo qualquer.

- Não diga isso!

- Ah não?! E você quer que eu diga o que?

- Eu quero que você pare de agir como um babaca! Você não precisa ser uma rocha o tempo inteiro.

- E quem você acha que é para me dizer o que eu devo ou não ser? Desde quando você se iludiu ao ponto de achar que significa algo para mim? – Falei apontando o dedo para seu rosto.

- Eu não vou entrar no seu joguinho de egos. Você quer ir embora sem dar um fim digno para seu tio? Então vá em frente. – Barbara também me apontou o dedo e levantou a voz. - Suas pernas estão com você, vá embora, mas eu irei enterrá-lo.

- Eu já dei o fim digno para ele quando atirei em sua cabeça. Quer gastar a merda do seu tempo enterrando um corpo? Então faça como quiser.

- Você não ia embora?

- Quando terminar de cavar o buraco aproveite e se enterre junto com ele. – Falei já de costas para ela.

Deixei Barbara para trás e caminhei de volta para a estrada onde o carro deveria estar. Ao chegar às margens da rodovia eu vi que o carro não estava mais lá e Felipe havia sumido junto com ele.

- AAAAAHHHH! Onde está a merda do carro?! – Gritei ao vento. – Você deixou ele partir com a merda do nosso carro? – Gritei mais uma vez, agora voltado à direção de Barbara.

Não obtive resposta então continuei.

- Onde ele se meteu com o nosso carro? Está me ouvindo?! – Falei caminhando na direção dela.

Barbara a essa altura também caminhava em minha direção e logo estávamos um de frente para o outro novamente. Assim que chegamos a cerca de dois metros um do outro, Barbara gritou: - Para! Já deu! Já chega Jotah.

Eu a olhei nos olhos, ela estava certa, eu estava fora de controle e agindo como um imbecil, mas por mais que quisesse não conseguia evitar. Eu estava com tanta raiva que não conseguia ponderar minhas ações.

- Você tem que parar com isso. – Barbara disse segurando meu rosto com as duas mãos e colocando meus olhos na direção dos seus. – Eu preciso de você aqui, agora. Do Jotah de verdade e não desse imbecil que você está sendo.

Seus olhos me refletem tanta calma.

- Por quê? – Falei com a voz falha. – Por quê? Por que com ele? Por que agora? – Disse cedendo meu acesso de raiva ao abraço de Barbara.

Ela me abraçou e me confortou com palavras doces, falando baixo em meu ouvido. Eu apenas cedi e voltei a chorar. Permanecemos abraçados ali, eu estava fragilizado mas nunca me senti tão seguro assim antes. Essa garota tem o dom de mexer com meus sentimentos, ela me acalma.

Fui voltando a mim aos poucos e fazendo aquilo que deveria ter feito sem nem ao menos pensar em discutir. Eu e Barbara passamos boa parte da manhã cavando o buraco para enterrar o corpo de Edinho. Ali, do lado de uma rodovia qualquer não era nem de longe o lugar que ele deveria ser enterrado, mas infelizmente era a única opção que eu podia oferecer.

Eu e Barbara catamos alguns gravetos para fazermos uma cruz e colocá-la logo acima do lugar onde Edinho será enterrado. Antes de colocá-lo lá eu retirei da sua carteira a foto dele com Heloíse e a guardei comigo. Um dia irei encontrá-la e mesmo que Edinho não esteja mais vivo, ele ainda estará conosco, não deixarei que ela se esqueça dele.

Barbara não me disse nada sobre o carro ou Felipe, mas naquele momento eu também não estava interessado em perguntar. Eu não estava mais tão fora de si, mas ainda não consegui entrar nos eixos totalmente e mais problemas pra minha cabeça não irão me ajudar.

Depois que terminamos uma singela cerimônia do enterro, nós voltamos a caminhar na direção da estrada. Lá estavam nossas mochilas jogadas no canto do acostamento, junto com meu arco e flechas e uma sacola com mais algumas latas.

Catamos tudo, olhamos um para o outro e iniciamos uma caminhada lenta e em silêncio pelo decorrer da estrada. Agora só o tempo dirá pra onde o vento nos levará.

Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now