28/03/2019

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A idéia de fugir ontem não deu muito certo, ou deu, na verdade só vou saber quando meu irmão vier até mim hoje. Fui pega por ele enquanto tentava fugir daqui, ele realmente faz parte de um dos grupos de busca. Não sei como ele pôde aceitar isso, foi por causa de homens que faziam partes desses grupos que nós fomos pegos. Eu queria fazer todas essas perguntas a ele ontem mas não tive tempo, por pouco não fui vista por mais alguém além dele e se isso tivesse acontecido ai sim as coisas ontem não teriam dado nada certo.

- Izabel? – Ouvi alguém me chamar na porta.

Eu jamais vou confundir essa voz...

- Igor. – Falei em voz baixa. – Já estou indo.

Abri a porta pra que ele entrasse e assim que me viu ele me deu um forte abraço.

- Estava com saudades de você maninha Você está bem?

- Também estive com saudades. – Disse o abraçando com ainda mais força. – "Bem" não é a melhor palavra que eu poderia escolher.

- Eu sei...

- Já pode começar as explicações.

- Olha Izabel eu sei que é difícil de entender...

- É muito difícil. – O interrompi.

- Espere. Eu posso explicar.

- Há explicação?

- Há e eu estou arriscando nossa pele para dá-la a você.

- Desculpa... Não é que eu queira discutir com você sabe? Mas é difícil.

- Eu sei. Passamos por coisas, você passou por coisas, mas me escute. – Ele disse tocando meu ombro enquanto sentávamos na cama.

- Fala.

- No dia em que chegamos aqui, depois que você foi tirada da sala, nos disseram que seríamos mortos pela manhã.

- É eu lembro.

- Sim, mas isso não aconteceu porque aceitamos um acordo, eu e Rodrigo trabalharíamos pra eles em troca da sua vida, de Alessandra, Dayse e das crianças. Eles tiveram muitas baixas por nossa causa e nos disseram que seria a única forma de evitar que eles fizessem qualquer coisa com vocês, nós precisávamos aceitar essa droga.

Eu havia ouvido outra coisa, o acordo tinha sido comigo e não com meu irmão e Rodrigo, pelo jeito o desgraçado do Comandante é mais manipulador do que eu pensava. Eu queria dizer isso a meu irmão, falar que todo esse papo de acordo era só conversa fiada para fazermos os gostos daquele filho da mãe, mas se eu contasse poderia por a vida de todo nosso grupo em risco. Relevei e contive minha vontade em dizer a verdade e continuei a conversa como se nunca tivesse ouvido falar de acordo nenhum.

- Foi por isso? Pra nos salvar?

- Sim. Eu vi o que acontece com outros grupos que foram pegos Izabel e apesar de me sentir um lixo em compactuar com aquilo, fazê-lo era a única forma que eu tinha para que aquelas atrocidades não acontecessem a vocês.

"mal sabe ele..." pensei comigo mesma, mas continuei firme no meu teatro da inocência.

- E os outros? Os outros homens dos grupos de buscas? Porque continuam a fazer isto?

- São chantageados da mesma forma. Os homens capacitados que não entram pro grupo de buscas têm suas mulheres feitas de escravas e com o tempo expondo-os a toda essa loucura muitos acabam se contaminando com esses ideais animalescos. Muitos homens bons são convertidos em homens maus, vi isso acontecer na guerra e não é diferente aqui.

- Meu Deus...

Ele abaixou a cabeça e movimentou em sentido de negação com uma das mãos sobre os olhos como se envergonhasse das coisas que lembrava ter feito e logo depois mudou a guinada da conversa.

- E os outros como estão? Têm visto eles?

- Você não nos viu em momento nenhum desde que fomos separados?

- Sim, vi. Mas não podia falar com vocês, normalmente eu estava num posto de vigia sobre a muralha. Via você todo dia de lá, por uma janela no seu banheiro.

Por um breve momento, ao ouvir meu irmão falar sobre o banheiro, as imagens e lembranças do que passei surgem como uma avalanche na minha cabeça e sem que eu perceba transformam minha feição pra um ar triste e melancólico.

- Está tudo bem com eles Izabel?

- Sim, está. Os vejo todos os dias no horário do almoço. – Tentei mentir mas não sei se soei muito convincente.

- Certo. Eu queria muito continuar conversando com você. – Ele diz enquanto olha de relance pro relógio. – Mas preciso voltar ao meu posto antes que notem minha ausência, eu e nem Rodrigo podemos entrar em contato com vocês, já arrisquei de mais por hoje.

O abracei mais forte que dá primeira vez e disse:

- Estou tão aliviada em te ver maninho.

- Também estou Izabel. Agora que eu sei que vocês estão bem eu posso me concentrar mais em como dar um jeito nisso.

- Cuidado.

- Eu sempre tenho, mas já chega de fazer o serviço sujo desse crápula. Não fale sobre nosso encontro aos outros, se alguém souber disso nós estamos ferrados.

- Não se preocupe, eu sei guardar segredo.

Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now