06/04/2019

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Não consegui fazer nada ontem a não ser chorar, Rayssa ficou comigo o resto do dia e me deu um remédio para que eu dormisse. Ela passou a noite aqui e mesmo não sabendo se foi por preocupação comigo ou por precaução pra que eu não estragasse tudo, fico feliz que ela tenha feito isso.

Não consigo aceitar que meu irmão realmente tenha morrido, passamos por coisas de mais para que simplesmente ele seja morto assim. Meu irmão é um ótimo soldado, treinado, já lutou em guerras e enfrentou todos os perigos que nos ameaçaram desde que os mordedores acabaram com o mundo, eu não aceito que ele tenha sido morto, não posso acreditar nisso.

- O que você está fazendo? – Rayssa perguntou ao me ver escrevendo no diário.

- Nada. Não é nada.

- Sei que é difícil aceitar...

- Eu não aceito. – Disse interrompendo Rayssa.

- Tudo bem. Eu sei como se sente, só estou aqui pra tentar ajudá-la.

- Pode me dizer quem é esse cara?

- Quem? O Frank?

- Sim.

- É uma longa história.

- Eu gosto de ouvir histórias, principalmente aquelas que têm uma pessoa que eu odeio.

- Ele era um capitão daqui, um dos melhores. O Comandante tinha um grande apreço por ele e por isso concedeu várias regalias, inclusive a que seu irmão aceitou.

- Ter a família protegida?

- Sim. Ele tinha uma filha, Michele, apenas um pouco mais nova que você e foi por ela que ele aceitou ser da equipe de buscas. Ele fez o serviço muito bem e por bastante tempo e então virou capitão de equipe, um tempo depois ele simplesmente surtou e atacou os próprios subordinados. O Comandante ficou puto com ele, o prendeu e entregou sua filha aos homens.

- Meu Deus...

- Nem preciso falar o que fizeram com ela, não é? O mais impressionante é que eles ainda conseguiram fugir, isso foi mais ou menos na época que você tava presa com o Comandante. As coisas ficaram uma loucura aqui fora, o Comandante pôs todo mundo atrás dos dois mas daí em diante ninguém mais viu o Frank, pelo menos ninguém daqui ficou vivo após vê-lo.

- E ele passou a atacar a cidade como retaliação?

- Não a cidade, apenas os grupos de busca. Ele foi a única pessoa, além do seu grupo, a matar uma equipe de busca inteira. Esse cara é o pesadelo do Comandante, ele acabou se tornando nosso aliado sem nem ao menos saber da nossa existência.

- "O inimigo do meu inimigo é meu amigo."

- Exatamente.

- É um bom ditado, mas quando um inimigo destruiu seu grupo e sua vida e o outro matou seu irmão, não há como ter qualquer um deles como aliado.

- Olha Izabel...

- Não. – Interrompi Rayssa. – Eu já ouvi o que tinha de ouvir, agora já tenho mais um nome na lista dos desgraçados que eu quero matar.

Rayssa me olhou com uma expressão séria demonstrando ter sentido o quão sério eu fui ao dizer aquilo e então só observou sem falar nada e esperou eu continuar.

- Eu quero o corpo do meu irmão. Preciso enterrá-lo.

- Não trazemos mortos pra dentro dos muros, é uma ordem do Comandante.

- Eu não vou poder nem ao menos enterrá-lo?

- Não, Izabel, não vai.

- Eu preciso ficar só.

- Tudo bem. Você tá dispensada da sua função por hoje, se precisar de mim estarei por perto.

- Obrigada. Tchau.

Rayssa saiu após terminarmos a conversa e eu fiquei só mais uma vez no quarto, nunca me senti tão só assim. Mesmo estando longe do meu irmão há meses eu sempre senti sua presença e esperava reencontrá-lo, mas após ouvir a noticia sobre sua morte essa parte de mim foi embora, mais uma vez eu perdi minhas esperanças. Não sei mais quantas destas perdas eu agüentarei.

Rayssa fala como se realmente considerasse esse tal de Frank como aliado e por uma parte ela tem razão, esse desgraçado parece ser o único infeliz que consegue tirar o sono do Comandante, mas eu jamais poderei considerá-lo um amigo.

Parte de mim quer ir a lutar, aproveitar o desconcerto que o assassino do meu irmão causou e usar isso como vantagem para tomar a cidade, mas Rayssa ainda me deixa muito afastada desses assuntos em relação ao movimento. Eu temo que toda essa idéia de tomada de poder por nossa parte não passe de um delírio, uma fantasia de um pequeno grupo de revoltosos que nunca se concretizará.

Ganhei o dia de folga mas mal consigo permanecer dentro deste quarto, as paredes parecem me sufocar e escrever no diário não está me libertando. Eu sinto que já passou da hora de deixar de ser alguém a receber ordens e passar a tomar as rédeas da minha vida, fugir daqui, me fortalecer e buscar minha vingança, pois meu plano de ser uma garota normal e feliz que conseguiu um lugar seguro pra recomeçar a vida junto ao irmão e amigos foi enterrado ontem.

A cada dia que passa, a cada perda que eu tenho a minha vontade de construir um futuro se extingue e é sobreposta pela vontade de destruir algo e por o fim em alguém que me machucou, estou me tornando fria e rancorosa, estou me tornando má.

Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now