Diário de Um Sobrevivente

24/11/2018

24/11/2018

Enterramos Luciano ainda ontem um pouco antes de anoitecer. Conseguimos um local dentro do terreno do prédio, devia ser um pequeno jardim gramado antes das pessoas irem embora e deixarem as pequenas plantas morrer. Cravamos uma cruz improvisada como de sempre, Dayse retirou um pequeno pingente do cordão de Luciano e pôs junto ao dela em seu pescoço, creio que como uma forma de sempre carregá-lo, ao menos em memória, consigo.

Ficamos do lado de fora até anoitecer enquanto cada um de nós prestava algum tipo de homenagem a ele, todos gostavam do Luciano, ele sempre pareceu à voz da razão e serenidade pro grupo, foi uma perda lastimável e na situação em que estamos talvez tenha sido a pior delas.

Após isso entramos todos no prédio e certificamos mais uma vez que a entrada estava bem trancada e então nos dividimos pelos apartamentos para tentar dormir mas eu não consegui.

Passei a noite inteira pensando no que pode ter acontecido ao Jotah e por tudo que já passamos eu não consigo aceitar sua morte. Eu sei que ele ainda está vivo.

Assim que amanheceu e vi meu irmão de pé decidi abordá-lo mais uma vez.

- Ele está vivo.

- O quê? – Igor pergunta surpreso.

- Eu sei que ele está vivo, vamos voltar para... Igor me interrompe e diz – já falamos sobre isso.

- Não, não falamos e não podemos deixá-los para trás.

- Izabel me escute você tem que parar com isso. Você tem noção do que está falando? Sabe o perigo disto?

- Mas.. Tento argumentar algo mas Igor não me dá nenhuma chance de falar.

- Eu ainda não acabei! Você já imaginou se Dayse ouve isto? Já vai ser difícil convencê-la do que aconteceu com Jotah e Edinho no estado em que ela está e você falando que talvez eles ainda estejam vivos e em perigo?

- Se voltarmos e os encontrarmos vivos isso será o melhor que pode acontecer a ela. – insisto em tentar convencê-lo.

- E se eles estiverem mortos? Já pensou como esse sentimento de esperança destruído pode acabar com ela? Não seja egoísta Izabel, o melhor para todos é seguir em frente. Se Jotah e Edinho estiverem vivos eles nos encontrarão.

- Eu sei que vão. – finalizo a conversa enquanto saio do quarto.

Ainda é manhã cedo e acabei de dar uma breve volta pelo prédio pra ver se os outros já tinham acordado, mas se sim, permanecem em seus quartos. Numa breve olhada pela janela do corredor deu pra ver a rua com um numero razoável de zumbis. Na pressa de entrar no prédio ontem acabamos deixando os carros parados na rua então temos que ter cuidado quando decidirmos partir.

Dayse acordou agora pouco, ela estava dormindo em um dos quartos do apt 201 com as meninas.

- Olá Dayse.

- Oi mocinha, quer me ajudar a procurar algo para escovar os dentes das meninas?

- Sim, adoraria.

Enquanto procurávamos por creme dental pelas gavetas nas despensas e banheiros, tentei puxar conversa com ela mas antes que começasse Dayse se precipitou a mim:

- Eu sei o que você quer filha. Sei o motivo de vim logo a mim pela manhã, procurar saber como estou e assim me consolar como fizemos uns aos outros por todo esse tempo mas não precisa e nem há como ser feito. - Dayse falava com um tom um tanto mórbido – Eu perdi tudo o que tinha Izabel. Perdi todos os quem sempre amei, venho perdendo pessoas a cada dia que passa e agora eu finalmente perdi tudo. Não se preocupe se estou bem ou não, eu chorei até a última lágrima que me restava essa noite e estou bem por isso, pois sei que não há mais nada que possa me machucar.

Ouvi atônita a aquelas palavras que ecoam na minha cabeça até agora e a única resposta que pude dar foi um leve aceno positivo com a cabeça enquanto falava sem graça que havia encontrado um creme dental para as garotas.

A reação de Dayse a tudo isso me deixa confusa, ao mesmo tempo estou um pouco aliviada mas de certa forma preocupada. Não consigo enxergar se ela está tentando se proteger atrás dessa camada de frieza em relação a todas as nossas perdas ou se ela realmente chegou a um ponto de não temer mais a nada e ter aceitado tudo isso.

A verdade é que eu talvez esteja me preocupando tanto com a reação dela para simplesmente não ter que se preocupar com a minha.