19/12/2018

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Dessa vez decidimos não parar a noite e continuamos caminho com o carro até encontrar um lugar decente para parar, mas não estava fácil. Os faróis do carro tinham queimado depois de tanto tempo e sem enxergar bem a estrada Felipe precisou dirigir devagar e com muito cuidado.

Permaneci o tempo inteiro no banco de trás com Edinho supervisionando qualquer reação dele. Ele ficou apagado durante algum tempo e aos poucos foi voltando a consciência. Depois de algumas horas ele já estava com lucidez quase total.

A primeira coisa que fez ao voltar a si foi perguntar se todos estavam bem e o que havia acontecido depois que ele caiu na armadilha. As memórias dele estavam um pouco bagunçadas e enquanto conversávamos ele foi conseguindo lembrar-se de tudo.

Ele também reclamou das dores que estava sentindo mas admitiu que estava bem mais ameno do que antes dos cuidados de Barbara. As coisas pareciam estar melhorando apesar do susto. Edinho já estava consciente e falando e Barbara disse que o pior já havia passado, só precisaríamos ter cuidados para os ferimentos não infeccionarem mas isso não seria tão difícil já que ainda temos alguns antibióticos.

Depois da breve conversa Barbara virou-se para frente e voltou a ajudar Felipe a tentar enxergar a estrada e desviar dos obstáculos enquanto Edinho se virou um pouco pro lado e passou a mão sobre o peito, deslizando a jaqueta e a camisa um pouco pra baixo, assim descobrindo o ferimento que tinha no peito. Ele passou a mão sobre a região e voltou a cobrir, se aconchegou mais uma vez no banco e olhou para mim, eu apenas fingi que nada tinha acontecido e me recostei na porta para dormir.

A noite prosseguiu lenta e tranqüila enquanto vagávamos pela estrada. Eu continuei dormindo por boa parte do caminho até ser acordado por Edinho. Ele também estava dormindo e me acordou sem querer enquanto tremia de frio e resmungava. Aproximei-me dele e vi que ele estava sonhando com alguma coisa, o que explicava os resmungões, e quando pus a mão sobre sua testa percebi o motivo dos tremores, ele estava queimando de febre.

Bati de leve no seu braço e o chacoalhei um pouco para que acordasse e precisei fazer isto por mais duas ou três vezes e com um pouco mais de força para obter sucesso. Edinho enfim acordou e me olhou com uma expressão assustada enquanto começava a suar frio.

A movimentação foi tanta que Barbara, que estava no banco da frente, também acordou e voltou atenção a nós.

- O que está acontecendo aí atrás? Ele está com dores?

- Não sei. Acho que ele só teve um pesadelo. – Voltei minha atenção a Edinho e disse. – Vai ficar tudo bem, irmão.

- Não. Não vai. – Edinho disse ofegante. – Parem o carro.

- O quê? Não! – Respondi firme.

- O que está acontecendo, Jotah? – Barbara perguntou mais uma vez.

- Nada! Não enche!

- Para o carro. – Edinho falou mais alto dessa vez.

- Felipe pare o carro. – Barbara ordenou.

- Não! – Gritei tentando sobrepor os dois, mas não tive sucesso.

Felipe preferiu ouvir Barbara e começou a reduzir a velocidade do carro. Antes que ele parasse por completo eu saquei a arma e encostei o cano um pouco acima do seu pescoço, próximo ao maxilar.

- Não pare o carro. – Repeti firme e claramente.

- Jotah o que você tá fazendo?! – Barbara esbravejou enquanto Edinho me puxava pela camisa. Assim que minha atenção voltou a ser tomada por Edinho ele completou: - Eu fui mordido! Deixe que ele pare a droga do carro.

Assim que Edinho terminou de falar Felipe freou bruscamente o carro fazendo com que meu corpo se inclinasse para frente e eu perdesse a mira sobre ele. Assim que a arma desencostou-se do seu pescoço Felipe aproveitou minha perda de equilíbrio para tomá-la da minha mão.

Tomei aquela atitude como uma petulância e estava pronto para reagir à altura, porém a situação não me permitia. Edinho acabara de confirmar aquilo que eu jamais quisera ouvir, nada mais importava naquele momento.

Ignorei a atitude de Felipe e qualquer outra que ele pudesse tomar dali pra frente e me voltei a Edinho. O ferimento em seu peito estava inchado, inflamado e minando sangue. O desenho circular do machucado e todas suas características não deixavam dúvidas de que era uma mordida, mas eu não queria admitir que aquilo tivesse acontecido. Não com ele. Não a essa altura. Não depois de tudo pelo que passamos. Tudo aquilo não podia ser em vão.

Me concentrei no rosto de Edinho, na lágrima que escorria pelo seu rosto se confundindo com as gotas de suor que brotavam aos montes pela sua pele. Esqueci completamente de tudo a minha volta, nada mais importava.

Abri a porta do carro e desci dele com Edinho se apoiando em mim, não ouvi mais nada a não ser sua respiração ofegante e os batimentos cardíacos dele cada vez mais rápidos.

Caminhamos com dificuldade por alguns metros até sairmos da estrada. O dia já quase amanhecia há essa hora e os primeiros raios solares começavam a expulsar a escuridão noturna. Depois de alguns metros fora da estrada não pude mais sustentar a caminhada e cai no chão com Edinho.

Tentei levantá-lo e só consegui colocar parte do seu tronco sobre meu colo, ali desabei e chorei abraçado sobre ele. Minhas lágrimas rolavam sobre as bochechas e caiam sobre o peito de Edinho, meus dentes se batiam enquanto eu soluçava e passava a mão tremula por cima dos cabelos dele.

Edinho olhava fixamente para mim enquanto tentava alcançar meu rosto com a mão, a peguei e pus sobre meu rosto e Edinho, com o polegar, limpou uma das lágrimas que caíam.

- Eu não vou perder você. Tá me ouvindo? Eu não vou deixar você ir. Ninguém fica pra trás, lembra? Você não vai ficar. Eu não vou deixar você. Não vou deixar. Não vou deixar. Não vou... – Repeti infinitamente isso enquanto sentia o corpo de Edinho começar a convulsionar.

Sua expressão estava ficando cada vez mais fria e ele abria a boca com dificuldades para respirar. O segurei com ainda mais força enquanto via seus olhos se tornando opacos e vidrados, ele estava partindo.

- Não deixe... Não... Me transformar... – Edinho falava com dificuldades. Aproximei meu ouvido da sua boca. – Não deixe que eu vire um deles. – Edinho disse tão baixo que eu quase não ouvia.

Edinho bateu com os dedos da outra na mão na pistola que levava no coldre em sua cintura.

- Não. Não. Não. Não. Não. Eu não posso fazer isso. Eu não posso. – Falei enxugando as lágrimas e balançando negativamente a cabeça.

Edinho tossiu forte várias vezes e dava pra ouvir que havia liquido em sua garganta. O virei um pouco pro lado e vomitou um tanto de sangue. Trouxe-o de volta pro meu colo e ele respirou fundo quase engasgando e começando a tossir novamente.

Eu não queria mais vê-lo sofrendo mas não conseguiria fazer o que ele queria. Pensei em tudo que havia acontecido desde aquele momento até o dia que toda essa droga de apocalipse começou. Pensei em tudo que passamos e fizemos até chegar às lembranças de antes da nossa vida virar um inferno. De como Edinho costumava me contar histórias, ou de como ele insistia em me assustar quando faltava energia. Dos cafés da manhã com pães e vitaminas de banana com chocolate que eu tanto amava. Das primeiras lições de direção que ele me deu. Das vezes que ele levou a culpa de propósito para encobrir algo errado que fiz e me livrar de uma bronca daquelas...

- Por favor... – Edinho disse se esforçando pedindo que eu apressasse o disparo da arma que já estava a tremular a frente do seu rosto.

- Eu te amo. – Foram as últimas palavras de Edinho.

Dali seguiu-se um grito meu, tão alto e forte que quase chegou a encobrir o barulho do disparo que veio em seguida. Me debrucei sobre seu corpo e gritei a todos os pulmões. Eu nunca senti tanto ódio na vida.

Diário de Um SobreviventeHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin