66 - Rompimento

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  Bem no fim a Mallya não bateu palmas quando viu a minha cara, ela percebeu que eu não tinha feito aquilo de propósito, não era uma vingança. Simplesmente aconteceu.
  Engoli em seco, ainda podia sentir o toque suave da boca de Jeon, o jeito que as batidas no meu peito pareciam tão ritmadas com as dele, da maneira carinhosa que ele havia me envolvido, sem desespero, apenas apreciando. E o olhar de Mark sobre mim desfez tudo aquilo, me deixando em cacos por dentro, e com uma sensação de prazer que eu não queria ter sentido.
  - Vai ser assim então? - Interrogou Mark da porta, me olhando com desgosto e mágoa e eu fui incapaz de responder, ao mesmo tempo que queria me sentir péssima pelo que fiz, não conseguia sentir a culpa, só uma camada fina de desespero sobre a minha pele, como se literalmente fosse uma segunda pele, de emoções. Porém, falsas.
  - Alícia? - A Mallya interviu tentando chamar minha atenção, mas eu me contive sobre qualquer coisa que tentou me assolar.
  - Vai ser assim mesmo pra você?! - Rosnou Mark angustiado e eu baixei os olhos enraivecida por não conseguir me odiar naquele momento, raiva de tudo ao redor. Aquela sensação tão boa que senti quando beijei Jeon se dissipou como se garras tivessem cortado e rasgado aquilo em pedaços. Por que era tão errado se foi tão bom? Por que eu deveria me culpar? Cadê o sentido naquela situação?
  - Mark acho melhor você ir embora. - Jeon se manifestou, resoluto e Mark o fulminou com desprezo.
  - Cala a boca que eu não me dirigi a você! - Falou ríspido e voltou seu olhar pra mim - Alícia você não vai nem dizer nada a respeito??! - Esbravejou e eu levantei o rosto, fitando a beleza serena que tomava sua face carregada de raiva e ódio, ainda incapaz de reagir totalmente àquilo.
  - O que você quer que eu faça? - Indaguei levantando as mãos em rendição, livre de culpa e Mark cerrou as mãos em punhos ao lado do corpo. O rosto estava vermelho de raiva, mas o cabelo roxo denunciava outra coisa.
  - Te vejo no inferno, querida. - Mark me fulminou, e sua raiva pareceu dolorosa sobre a minha pele, mas ele não sustentou aquilo por mais tempo, apenas saiu da cozinha, passando pela Mallya sem nem encostar na garota. E então subiu correndo.
  Eu quis ir atrás, correr atrás dele. Talvez pedir desculpas, mas não entendi pra quê faria aquilo se ele só me preocupava. Então deixei que fosse. E ele foi, pegou as coisas, fez as malas e saiu da casa, indo embora com uma batida forte na porta da sala que simbolizava sua despedida.

  - Precisa de chocolate? - Indagou a Mallya, tentando pescar algum sentimento no meu olhar, mas a única coisa que captava era um vazio. Eu me sentia assim, vazia de sentimentos de certa forma. Queria sentir aquela coisa que chamam de "coração partido", aquela sensação de desespero que te invade ao perder a pessoa amada, mas não sentia absolutamente nada. Como se nada, nunca, tivesse acontecido.
  - Não é normal. - Respondi a ela, fitando mais uma onda se aproximar dos meus pés e se quebrar em espuma branca antes mesmo de chegar aos meus chinelos. - Minha mãe teria me levado pra mais uma consulta com um psicólogo caso estivesse aqui. - Comentei rindo e senti a mão da Mallya segurar a minha sobre a areia aquecida.
  - Você sabe que ela está em algum lugar. - Me disse, e aquelas palavras não eram pra me confortar, eram verdade. De certa forma sabíamos que minha mãe, não seu corpo material que neste exato momento estava em decomposição num caixão, mas sim o espírito dela. Eu sabia que vagava, irritada e cheia de opiniões construtivas enquanto se dedicava de certa forma para alcançar objetivos, agora eu sabia que o maior dela era vingar sua morte, e ela sabia que eu a vingaria para que pudesse descansar em paz.
  - Baladinha antes da sua viagem pra outra cidade? - Perguntei trocando de assunto e uma brisa carregada de sal e com o gosto característico do mar esvoaçou nossos cabelos, e eu agradeci mentalmente por não precisar tirar a franja do olho naquela hora.
  - Só vou amanhã de manhã mesmo. - Concordou dando de ombros, e eu olhei pro horizonte, com sua imensidão azul de mar.
  - Jeon explicou o que houve quando saímos? - Perguntei e ela assentiu, buscando no meu olhar se algo de uma Alícia sem cicatrizes que vivia antes do Gap Dong ainda restava. Até eu duvidava.
  - A sereia, a primeira fase da profecia... - Comentou - Cada parte detalhadamente.
  - Então já sabemos o que fazer. - Parei de olhar o mar para olhar diretamente pra ela que correspondeu o meu olhar. Sem precisar de palavras entendendo exatamente o que eu queria dizer. Íamos terminar com tudo, logo, pois nenhuma das duas aguentava mais essa enrolação pra desvendar um caso tão simples, que ficou tão complicado.

PRISON IIWhere stories live. Discover now