87 - Temor

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- Alícia on-

  Quando eu supus que alcancei Mark ele desapareceu das minhas vistas, e sem que eu percebesse uma nova atração havia sido apresentada à festa. Fumaça.
  O salão estava se enchendo de uma fumaça roxa e outra azul vindo de lados opostos desde o teto nas cortinas de seda vermelha até o chão de mármore polido e se encontrando no centro do grande cômodo como se fossem ondas.
  Assoprei uma rajada de fumaça roxa que estava tentando invadir meu nariz e voltei meu olhar pra multidão, buscando insistentemente os cabelos vermelhos de Mark, mas ele não atravessava mais a multidão, havia parado em algum lugar e isso o fez sumir das minhas vistas, e de certa forma me deixar perdida do local onde tinha deixado a Mallya. Girei os pés, olhando em volta procurando por ela, essa fumaça só me traria problema, eu não podia me perder dela como já tinha acontecido.
  Continuei observando, sem piscar os olhos com bastante atenção, até que avistei uma mulher num vestido, e parecia tudo normal, ela parecia estar de divertindo e dançando, a não ser pela grande quantidade de sangue que escorria de seu peito manchando toda a brancura do decote e escorrendo pela barriga, molhando o pescoço de vermelho espesso. Dei um passo relutante na direção dela e senti que meu coração se acelerou um pouco, tinha algo de errado, eu podia sentir que conhecia aquela mulher, mesmo não reconhecendo logo de primeira porque a fumaça cobria impiedosamente o seu rosto.
  - Ei. - Chamei e quando estava quase a alcançando, ela se virou de costas e começou a caminhar, como se fosse pra sair dali por minha causa, apertei o passo atrás dela e de repente ela se dissolveu com a fumaça. Não houve tempo para que pudesse ver seu rosto. Porém, havia para ter percebido que uma sombra espreitava na minha direção. Me virei rápido, uma tontura forte atravessou meu corpo e por um instante achei que por causa do salto ia cair, mas apenas cambaleei.
  Será que era o álcool?
  Me indaquei irritada, mas não permiti me preocupar com isso, aquele rapaz, a sombra que estava num canto a menos de um metro parecia significar alguma coisa, e ainda melhor... Estava mascarado. Era óbvio que era alguma coisa.
  - Hoje você não foge. - Sussurrei irritada, os cabelos dele fora da máscara eram pretos, o corpo de um homem, mas eu sabia que não era velho, e seria sorte demais se fosse meu assassino em série favorito.
  Comecei a ir na direção dele.
  Fomos pra parte interior do museu, passando por armaduras antigas sem sequer sinônimos de poeira e quadros dos mais bizarros de arte abstratas que já conheci, e enquanto ele andava pelo vasto corredor ladeado de cortinas e paredes altas, eu o seguia, sentindo a fumaça roxa entrar por baixo das cortinas e acompanhar meus saltos como se fosse uma capa do meu vestido, ou então o início de uma cena macabra de filme de terror.
  Não ousei dizer nada, ele também não dizia, e o jeito que o corredor era mal iluminado eu temia que minha voz fosse ecoar e eu me prendesse numa loucura. O cenário já estava ficando sinistro demais pra dar sorte ao azar.
  Acompanhei ele pelos olhos até vê-lo entrar em uma sala do lado esquerdo do corredor, parecia não notar minha presença, e isso me deu vantagem em entrar em silêncio, torcendo para pegá-lo desprevinido, mas quando entrei na sala e me virei pra ele, o que eu vi foi a mulher da festa, do vestido branco ensanguentado, e assim que ela me viu, e eu pude contemplar seu rosto, eu gritei. Era minha mãe.
  Cai pra trás cambaleando e as costas foram confrontadas pela parede, com as mãos nos ouvidos e meu coração subindo pra garganta eu escorreguei na parede até parar no chão sentada, olhando estática para a figura a menos de um metro na minha frente, com aquele buraco no peito de onde escorria tanto sangue.

- Mallya on-

  - Onde aquela menina se meteu?! - Indaguei irritada e o barman me ofereceu uma garrafa de bebida, mas eu neguei com a cabeça, a coca estava mais do qur suficiente, e pelo menos uma das duas naquela festa perigosa tinha de estar sóbria.
  Me virei no banco olhando pra multidão, encarando aquele gás roxo se misturando com o azul enquanto eu observava as pessoas ficando diferentes. Não demorei para perceber o que era, o gás estava contaminado com alguma substância. Típico de boate e perigoso demais pra Alícia ficara ali no meio desprotegida. Eu pelo menos aguentava um pouco mais pelos anos que passei na floresta fugindo de caçadores com essas porcarias que só serviam pra drogar a presa e tornar a caça mais fácil.
  Tirei uma echarpe da bolsa na cintura, que nem lembrava o motivo de ter trazido e enrolei o nariz e a boca, indo na direção da fumaça azul que sabia que era mais fraca, assim ficaria mais fácil de procurar.

- Alícia on-

  - Você não sabe a sensação. - Uma voz masculina invadiu o silêncio ao mesmo tempo que a figura da minha mãe desapareceu da minha visão. Meus olhos estavam inundados de lágrimas e eu olhei para o lado, enquanto meu busto subia e descia na tentativa falha de controlar um coração despedaçado que ainda insistia em bater.
  - Q-quem é você? - Rosnei me esforçando pra engolir o nó na garganta e esconder as fraquezas todas expostas. Eu estava vulnerável demais na frente de um inimigo.
  - Você sabe quem eu sou. - Ele devolveu e eu pude sentir o sorriso em sua voz, um tom alegre de quem estava prestes a ser presenteado no natal. Aquele tom que me enojou a ponto de querer vomitar. E agora eu o estava vendo.
  No meio daquela sala escura sua figura mascarada e coberta por roupas escuras surgiu na minha frente, andando calculadamente frio.
  - Mas essa não é a questão. - Sussurrei de volta, ainda me esforçando para não derramar as lágrimas que formavam uma piscina nos meus olhos. Podia sentir o peito inflamado, parecia ter ficado dolorido demais pra respirar. A questão de ter envolvido a minha mãe era mais que cruel, ela era nitidamente meu ponto fraco.
  - Não, não é. - Devolveu ele, se aproximando. Um velho inimigo que não morre. Pelo menos eu ainda não tive a oportunidade de matar.
  - Então qual é? - Perguntei cerrando os dentes e fulminei meu olhar na sua direção.
  - Você não sabe o quanto foi bom matar aquela vadia. Você não conhece essa sensação, de matar e saber que os entes que ficaram vão sofrer tanto... Isso chega a me fazer gozar de prazer...
  - Ela não era uma vadia... - Rosnei e o nó na garganta quase me engasgou pra pronunciar aquelas singelas palavras. Eu queria xingar de volta, queria bater nele, socar e estapear até minhas mãos sangrarem, mas não conseguia me mexer. Ainda me abalava demais quando envolvia minha mãe em qualquer assunto que fosse.
  - Era sim, - Ele insistiu - Todas vocês que entram no meu caminho são. Não passam de problemas pra mim eliminar, mas, mesmo assim, ainda são os pratos mais deliciosos que eu pude desejar. - Ele respondeu, e mesmo através da máscara eu pude sentir que estava sorrindo, como se estivesse me queimando por dentro, meu peito parecia cada vez mais inflamado, parecia que eu podia explodir a qualquer momento.
  O homem começou a se aproximar, e lá dentro pude sentir um fio de medo atravessar o meu corpo e me arrepiar por inteiro. Meus olhos se arregalaram.
  Então era isso?
  Na verdade não era tanto ódio, no fim de tudo eu na verdade tinha medo dele, por isso queria tanto a sua cabeça? Pra não temer.

PRISON IIOnde histórias criam vida. Descubra agora