Capítulo 1

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Cinza... essa é a cor que descreveria perfeitamente meu humor hoje. Da porta, me vi incapaz de dar mais do que dois passos como se o centro da sala fosse capaz de transformar o meu cinza em negro.

— Oi, meu nome é Eliza Singer, tenho 16 anos e venho de Heington. É um prazer fazer parte de uma escola tão prestigiada quanto o Colégio Siram. — Essa foi minha apresentação formal diante de um monte de olhares desconhecidos de adolescentes com sangue de lobo.

Alguns me olhavam com tanta curiosidade que parecia que eu era uma peça rara de um museu, enquanto outros pareciam revirar os olhos com desdém perante uma recém chegada que nasceu e cresceu no meio de humanos comuns. No meio disso, uma garota ruiva sentada no fundo ignorou completamente minha curta apresentação, compenetrada no que parecia ser o trabalho de uma vida. Seus dedos se moviam silenciosa e graciosamente sobre um papel e seus olhos brilhavam perante algo que poderia ser uma obra prima, ou, simplesmente rabiscos...

Na minha cabeça, tudo o que eu queria era sair daqui, voltar correndo para Heington e fingir que nada acontecera nas últimas semanas, mas era impossível ignorar a grande convocação. Na melhor das hipóteses eu seria presa e julgada como rebelde, mas eu sabia que não iria parar por aí.

A grande convocação foi uma decisão tomada na grande conferência dos clãs realizada na cidade de Heington, que fica ao leste de Siram. Heington é uma grande metrópole humana, centro da maioria das negociações e distribuição de mercadorias dos clãs. Pela excelente localização e por não pertencer a ninguém, era o local neutro considerado ideal para as grandes conferencias, que aconteciam uma vez ao ano.

— Ei novata! Pode sentar aqui do meu lado. — Um garoto de aparência atlética, cabelos pretos encaracolados e uniforme amassado apontou para a cadeira vizinha perto dele. Mirei uma cadeira mais atrás e enquanto passava pelo corredor, percebi uma piscadela convencida do garoto achando que eu tinha dado bola.

Revirei meus olhos, passei reto e parei no assento vago na frente da ruiva distraída. Olhei de relance o papel no qual ela investira toda a concentração e notei pequenos círculos pretos passando por cima de um conjunto de linhas. Eram notas musicais que formavam uma composição melódica estranhamente familiar. Sentei calmamente sorrindo enquanto o professor de biologia dava prosseguimento à aula. Embora eu tivesse perdido alguns dias de aula do semestre por conta da mudança, não me sentia nem um pouco perdida com a aula.

— E assim vemos como a genética... — O som estridente do sinal toca fazendo com que os alunos se levantassem rapidamente e saíssem correndo da sala. Guardei calmamente meu caderno de volta na mochila e percebi o professor resmungando algo para si mesmo.

— Eliza! — Chamou-me assim que passei por ele. Olhei firmemente para seus olhos castanho claros o que o fez desviar o olhar enquanto cutucava sua barba branca.

— Precisa de algo? — Perguntei de forma monótona. Não queria me prolongar pois ainda precisava achar a sala da próxima aula e me atrasar no primeiro dia não pegaria bem.

— Sei que é tudo novo para você, e talvez não esteja conseguindo acompanhar as coisas...

— Estou bem! — O interrompi antes que viesse com a conversinha fingindo que entende o que estou passando e que pode me ajudar. Já ouvi a mesma conversa dezenas de vezes essa semana e não precisava da pena de ninguém. Vir para cá foi uma escolha minha e estou me adaptando à medida que posso. — Professor, agradeço a preocupação, mas isso não é necessário.

Tentei soar o mais suave e direta possível. Encarei-o seriamente esperando por sua liberação e o ouvi suspirar enquanto me mirava de forma um pouco diferente.

— Eliza, conheço seu histórico e já imagino o desempenho que terás por aqui. Não deixe que essas mudanças a impeçam de continuar brilhando. — Sorri para ele e assenti. O colégio Siram não é nada comparado com a Genius School, colégio que eu frequentava até semestre passado, mas eu não podia expor isso abertamente ou poderia perder minha vaga no único colégio desse vilarejo com ensino aceitável. — Annie, poderia mostrar para Eliza onde é a próxima sala? — Olhei para trás e percebi que a ruiva distraída ainda estava lá sentada, a única a ficar pra trás. — ANNIE!

O professor caminhou até ela e arrancou um fone sem fio do ouvido dela, o que finalmente a tirou do transe.

— Oi? O quê? A aula acabou?

— Annie, leve a senhorita Eliza até a próxima aula. Creio que vocês estão na mesma turma.

— Eliza? — Esta talvez foi a primeira vez que ela olhou para mim desde que tirou os olhos do papel. Me pergunto como é possível alguém se perder tão completamente dessa forma.

— Olá, prazer! — Eu disse, acenando pra ela. Um olhar de compreensão pôde ser visto imediatamente em seu rosto e suas bochechas com sardas ficaram avermelhadas. Ela enfiou as coisas de qualquer jeito na bolsa e caminhou em minha direção mantendo o olhar baixo ao longo do caminho. Resolvi quebrar o silêncio primeiro.

— Annie, certo? — Ela assentiu de leve, mas manteve o olhar pra baixo. Paramos no corredor de frente para a porta da próxima sala. — Percebi que você estava escrevendo uma partitura. Posso dar uma olhada?

— Bem, sim... NÃO! É que ainda não está pronta. — Tentou se explicar enquanto apertava as laterais de sua saia de forma tímida.

— Sou compositora também. Talvez eu possa ajudar. — Ela olhou diretamente para mim, talvez para avaliar a veracidade nas minhas palavras. Percebendo que eu falava sério, ela abriu a mochila e tirou o tão precioso papel. Saquei uma caneta e rapidamente comecei a corrigir as notas fora de tom e ritmo, bem como terminar a última linha que faltava. Imaginando o "estrago" que eu estava fazendo, ela arregalou os olhos paralisada esticando os braços trêmula para tentar tomar a partitura de volta.

— O que você está fazendo? Me devolve!

— Pronto! — Não tomei o trabalho de me explicar. Simplesmente devolvi a composição e entrei na sala deixando-a para trás desconcertada.

"Disse que ia manter o perfil baixo, mas já começou a se mostrar" — Gemeu minha loba dentro de mim.

"Não pude evitar. A falta de atenção dela já estava me irritando. Considere meu único ato de boa vontade." — Retruquei de volta para a minha loba.

Minha loba, Lisa, estava certa. Meu objetivo era tentar passar despercebida e terminar esse ano sendo invisível. Para tal assumi um visual mais nerd, com roupas folgadas, óculos grandes e mantive meus longos cabelos negros presos em coque. Se eu não conseguisse passar invisível por esse quase um ano e meio que me faltava para terminar o ensino médio, então acabaria entrando em apuros.

— Viu? Eu consigo! — Sussurrei para mim mesma após o entoar do sinal que punha fim ao meu primeiro dia de aula.

Destino: O herdeiro AlfaWhere stories live. Discover now