Capítulo 81

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                  O sol estava nascendo aos poucos, e para compensar o forte calor do dia anterior, uma brisa fria tomava conta do Rio de Janeiro. Fausto acordou cedo, pois não conseguia dormir como de costume. Ele desceu as escadas, e saiu para o jardim da casa dos seus falecidos pais. O mesmo, avistou de longe, uma jovem com o cabelo meio preso, vestida com um vestido cinza com detalhes em preto com mangas longas, era Maria Vitória.




         - Ei, Maria Vitória?
         - Olá, Fausto... Bom dia! Pelo visto também caiu da cama cedo.
         - Não consegui dormir muito bem... Mas foi coisa minha mesmo, estava um calor insuportável, que bom que refrescou, não acha?
         - Não precisa mentir para mim, Fausto. Eu sei que não dormiu por tudo que aconteceu ontem, além disso nos recolhemos muito tarde.
         - Sim, realmente, mas... Já sabíamos que seria assim. Uma noite de sono não é nada, e me sinto muito bem!
         - Me perdoa, Fausto!  - Ela começou a chorar.
         - Maria Vitória, o que foi? Por Deus, diga alguma coisa, mocinha.
         - Me perdoe por te fazer passar por tudo isso, nada tem haver com você! Aliás, ninguém tem o dever de estar passando por um peso que deveria ser carregado apenas por mim.
         - Maria, por favor, não diga isso. Você e eu somos noivos, devemos compartilhar nossas tristezas, nossas alegrias, tudo! Quando casados seremos como um só, você sabe? Na alegria, na tristeza... Na saúde, e na doença...
          - Não somos casados ainda, Fausto! Eu não deveria estar aqui, isso é um erro!
          - Maria Vitória, eu não estou te entendendo.
          - Estou cansada, Fausto! Estou exausta, completamente perdida. Tenho vontade de fugir para longe, sumir, esquecer de tudo, até de quem eu sou. Todos me dizem que sou uma garota forte, mas na verdade não sou. Eu não aguento mais!
         - Maria Vitória...
         - Por favor, me escute... Ouça o que tenho para dizer, antes que eu guarde tudo para mim e acabe me sufocando como todas as outras vezes!
         - Fale tudo que quiser, Maria. Estou aqui para te ouvir, te apoiar, ser seu ombro amigo. Fale desde onde te machuca, desde como começou.
         - Desde que me entendo por gente, Fausto  - Ela soluçava e tentava engolir o choro.  - Quando pequena eu já sentia a indiferença do Barão comigo... Já o sentia distante, e não me era permitido dar uma risada se quer naquela casa sem que ele resmungasse. E então eu fui morar com os condes, e nada mudou... A condessa sempre teve uma rigidez gigante, e fui preparada por ela para ser a esposa mais perfeita possível para o meu futuro marido. Retornei para a fazenda, e então parecia que minha história havia voltado para o zero, onde eu começaria tudo de novo. Foi um susto ouvir que um pretendente iria me conhecer, e pior ainda foi ter conhecimento de tanta coisa que acontecia naquele lugar   - Ela voltou a chorar.  - E de repente a minha história havia sido uma mentira, a minha vida deveria ter sido outra, e descubro que minha verdadeira mãe estava tão perto quanto longe de mim. Vi e ouvi coisas perversas, e tive coragem para enfrentar... Me desculpe te encher tanto com isso.
        - Continue  - Ele segurou na mão dela enquanto estava sentado ao seu lado.  - Estou te ouvindo.
         - Passar aqueles dias na senzala foi um verdadeiro pesadelo, e me doeu mais pensar que aquilo não era nem metade do que a minha mãe e todos os outros passaram. Eu não senti nem um terço das dores deles, e caí tão facilmente. Por minha causa pessoas inocentes morreram naquela invasão, Fausto... A mãe do Bento inclusive. Como será quando aquele menino crescer e tiver o entendimento que a mãe dele morreu quando tentaram me salvar?
         - Fomos salvar todos daquela fazenda, Maria Vitória.
         - Mas com a base de quem, Fausto? Me diz! Por minha causa o Bento ficou órfão, Berenice foi ameaçada de morte, Ana Laura quase perdeu o bebê, por minha culpa Iracema se envolveu em uma batalha juntamente com os outros, e depois pagaram um preço. A minha avó voltou para aquele lugar para ser humilhada em dobro, Celso, o Peixoto, e você foram presos, a minha mãe ficou três dias e três noites acorrentada dos pés a cabeça...
         - Para! Maria, tu estás se culpando por absolutamente tudo, quando todos sabemos que não é verdade. Entenda, a maioria de tudo isso tem apenas um culpado: Leopoldo. Somente ele, ninguém mais. Ele é uma pessoa ruim, um ser humano sem sentimentos, sem bom senso.
         - O meu pai está morto... O meu tio quase morreu, e agora o meu tio Lázaro, que também é meu padrinho, me odeia. Você mesmo viu como ele saiu daqui, o jeito que me olhou... Ele não entendeu o motivo por eu ter escondido, foram alguns dias, mas para ele soaram como a vida inteira. EU NÃO SUPORTO MAIS! Eu não sei como eles esperam que eu reaja, o que eu faça, o que eu devo dizer. Eu me sinto sozinha, Fausto.
         - Mas você não está, nunca esteve. Por favor, pare de chorar, meu coração se parte por completo.
         - Algumas vezes eu penso que se eu deixasse de existir, as coisas voltariam para o lugar. A vida de todos voltariam ao normal.
         - Nunca mais repita isso! Que vida? Hã? A minha ficaria vazia sem você, pois eu não consigo mais me enxergar sem tua presença.
         - Não se arrepende? Você poderia estar casado agora, com uma mulher ideal, como aquelas que as pessoas esperam. Poderia estar esperando um bebê, com uma mesa farta de café da manhã, sendo bem recebido todas as noites com a casa em ordem, e com uma esposa para ouvir como foi o seu dia. Teria uma vida normal, e não essa ao meu lado, com brigas, intrigas, tristezas... Estaria muito bem.
         - Realmente, seria uma vida perfeita, mas também muito triste. Seria muito triste chegar em casa, ter tudo isso, uma esposa perfeita, mas ao olhar para ela, não seria a mocinha da estação, aquela que me recebeu com quatro pedras nas mãos  - Risos.  - Que me ensinou como nem todas as pessoas são iguais, que me mostrou que antes eu era apenas um rapaz muito distante da doce e amorosa realidade que pode ser a vida. A mocinha que me fez subir em um palanque em uma apresentação de mágica, que me fez enxergá-la na tela de um artista, e me fez voltar o mais rápido que pude de Portugal, pois já não me aguentava de saudade. Que simplesmente me fez pensar: É ela! É com essa mocinha que quero viver todas as emoções que a vida colocar como prova. E advinha? Cá estamos. Então seria muito triste ter a vida perfeita que todo homem deseja conquistar, se não iria compartilhá-la com a garota que me apaixonei.
         - Obrigada por tudo!
         - Não me agradeça por nada, eu deveria fazer isso. Olho para ti e seus olhos castanhos cheios de lágrimas, e penso no que poderia fazer para lhe tirar um sorriso, um só, nem que por segundos.
         - Tem tido uma paciência grande, devo agradecer sim! Sei que não sou fácil, e tudo que vem de mim só piora. Se pudesse estaria bem longe, muito distante... Mas é o meu dever ficar, e aguentar firme, pessoas dependem disso.
         - Talvez não seja uma má idéia fugir daqui, nem que seja por um dia.
         - Seria bom, e impossível.
         - Impossível? Oh, não use essa palavra comigo.
         - O que queres dizer?
         - Vamos passear pela cidade, e depois te levarei a um lugar muito especial. Não lhe prometo grandes emoções, mas creio que será do vosso agrado.
         - Não precisa fazer nada por mim, Fausto. De verdade! Já até me sinto melhor.
         - Estou te convidando para um passeio bom para nós dois e você está me negando, Maria Vitória?
         - Fausto, eu não devo fazer nada, não devo sair, ou algo do tipo. Ainda estou de luto, e...
         - Seu pai diria para irmos logo, e não perder nenhum minuto desse dia. O que me diz? Agora... Eu sugiro que pegue um casaco.
         - Está bem. Vamos! Vou pegar o meu casaco, e me arrumar.
         - Certo! Eu também pegarei o meu, e nos encontramos aqui em seguida.
         - Claro!
         - Enxugue essas lágrimas, mocinha, elas não combinam com você. Pelo contrário, seu sorriso é um dos seus traços mais bonitos!
         - Tentarei não deixá-las sair.  - Ela brincou enquanto limpava o rosto.
         - Pensaremos somente nas melhores coisas, e faremos acontecer outras.






Escrava Sinhá [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora