Capítulo 96

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Na sala de casa, Maria Vitória estava séria, andando de um lado para o outro, de braços cruzados. Eugênia olhava alguns documentos enquanto observava a agonia da garota.




- Maria Vitória, fique quieta em um canto, por gentileza?!
- Há algum problema?
- Eu deveria lhe perguntar isso. Ontem mal conversou quando voltou do jornal, trancou-se no quarto a noite toda. Não quer conversar?
- Eu não queria, mas já que tocou no assunto, é melhor resolver de uma vez a situação.
- Que situação?
- Minha mãe, quando vamos viajar para a Europa?
- Ah, agora decidiu ir? Maria Vitória, com a minha casa em mãos, não sairei do Brasil.
- Mas como não? Vai desperdiçar os vestidos luxuosos e caros que encomendou?
- Eu não sei do que está falando.
- Ontem encontrei a madame dos vestidos. Pediu para lhe avisar que houveram atrasos nos vestidos, mas que já estão prontos. Os vestidos da viagem para a Europa, a qual até mesmo desejou o fim do meu noivado para irmos.
- Isso foi o que aquela madame lhe disse? Ah, Maria Vitória, aquela velha nem sabe o que faz!
- Que eu lembre, encomendou vestidos quando estávamos na pensão, e tentou me convencer diversas vezes a viajar.
- Isso da viagem foi depois do seu término, Maria Vitória!
- Mas como a madame soube? E os tecidos dos vestidos super adequados para o clima Europeu?
- Eu tinha esperanças que aceitasse... Aliás, para quê voltar a esse assunto?
- Eu só gostaria de ouvir da senhora a verdade. O que planejou?
- Já que quer tanto saber eu lhe direi: SIM, eu queria levá-la para longe daqui, satisfeita?
- E como pretendia fazer isso? Sabes bem que não me afastaria do Brasil ou do Rio de Janeiro para deixar a minha família presa na fazenda!
- Mas era exatamente por isso que eu queria levar você, minha filha... Me escuta, Maria Vitória!
- Estou escutando, e confesso que muito ansiosa.
- Ouça... Talvez você não entenda os meus motivos, afinal, sempre me vê como errada, não é mesmo?
- Diz logo, quero saber!
- Sim... Claro que quer. Eu encomendei os vestidos na intenção de irmos embora o quanto antes. Viajar para novos ares, com pessoas novas, e fazer nossas vidas longe daqui.
- Sim, eu já entendi. E mesmo comigo repetindo que não iria, não foi? O que faria? Ia me obrigar?
- Eu estava ciente de que você iria me ouvir, e juntas faríamos essa viagem. Adoraria tanto que não desejaria voltar.
- Eu não entendo os seus motivos, sinceramente não entra na minha cabeça.
- Eu sabia que assim seria, mas é melhor assumir uma vez, não é?
- E o Fausto? A madame disse que...
- Eu fui até ele, e expressei toda a minha vontade de que ele a deixasse em paz.
- Ah... Claro! Mas eu não acredito no que estou ouvindo, mãe!
- Garanto que não fui a única que percebeu o erro que seria o casamento de vocês. Ele mesmo admitiu.
- De qualquer maneira eu insisto que há outra coisas por trás disso, não há?
- Sim, mas você já está me a me colocar em sacrifício, então...
- Diz, por favor, apenas me diz!
- Eu queria te levar para longe da Dandára, filha.
- Ai meu Deus... - Ela levou as mãos ao rosto. - Mas a senhora sempre surpreende mesmo!
- Não me julgue, eu sei o que sinto, e o que faria em nome da família que o seu pai me deu.
- O que há com a senhora? O que pensa? Pelo amor, isso não faz o menos sentido, mãe!
- Talvez o fim dessa era de escravidão esteja próximo. Sei que assim que for anunciado largará tudo para viver com aquela imunda!
- Estás se esquecendo que és da minha mãe que fala?
- Mãe? Que mãe? Mãe é quem cria, quem cuida... Eu fiz de tudo por você.
- É impressionante o quanto tem coragem de dizer isso da maneira mais natural... Como se a Dandára não tivesse feito nada por ter me abandonado!
- Ela fez isso quando aceitou te entregar para o Leôncio.
- De novo essa história? Você sabe o que aconteceu!
- Sei, eu estava lá, sempre estive. Eu bem sei toda a minha história, Maria Vitória.
- Mas não é só a sua história, é a de todos nós! Como pretendia me embarcar até a Europa? Iria me deixar bêbada e levar-me sem que eu percebesse?
- Agora você me ofendeu feio, Maria Vitória! Se eu quis tirar você do Brasil foi pensando no seu bem, e no bem da memória do seu pai que como último desejo queria a felicidade da nossa família!
- Mas sempre tem que envolver o meu pai, não é? Sempre tem que envolver o meu pai, isso não é sobre ele!
- Claro que é! Sempre fiz tudo por vocês, vivi nessa vida em nome do meu amor por ele.
- Não percebe que esse amor te adoece? Esse amor que te faz perder a razão, não te faz bem!
- Quieta, Maria Vitória! Não ouse me ofender dentro da minha própria casa, ou então...
- Ou então o quê? Pode falar, estou pronta para ouvir.
- Esqueça! De qualquer forma eu sempre fui errada para você, sempre me julgou até mesmo o que fiz de bom. Eu perdi o seu pai, o grande amor da minha vida... Você é a única coisa que me restou dele, não vou me permitir perder você também.
- A senhora faz coisas que machuca outras pessoas, e quer que eu aceite? Ouviu tudo que me disse? Percebe o quanto isso não é algo comum?
- Se tivesse vivido um terço do que vivi, se tivesse visto o que abri mão, se reconhecesse o que fiz por você, beijaria o chão que eu piso, Maria Vitória!
- Acho que não entendi...
- Não, você nunca entende. Nunca reconheceu que se é tão educada é graças a mim! Me agradeça, por seus vestidos, sua pele macia, seu cabelo bem penteado, a sua excelente educação... Você só tem tudo isso graças a mim, e ao amor pelo seu pai. Por tudo isso eu permitir você viver conosco.
- Eu teria ido de qualquer maneira, foi uma ordem do Barão!
- Então corre... Vai, corre e vai agradecer ao seu avô pela gentileza e humildade que ele fez.
- Não tinha o direito de me falar isso, não mesmo!
- E você não tinha o direito de insinuar que estou louca.
- Eu não disse isso...
- Mas você pensou! Louca eu estaria na época que coloquei a filha de uma escrava na minha casa! Quando aceitar ter como minha uma menina fruto de uma aventura do meu marido... Nascida em uma senzala imunda, e... - Ela respirou fundo enquanto chorava.
- Já acabou? - Maria Vitória estava com raiva e segurava o choro.
- Sabe que tudo que falei foi...
- Foi o que estava engasgado a muito anos, certo?
- Não, Maria Vitória... O seu pai bem sabia que eu...
- Pelo amor de Deus, para de falar do meu pai! Para de citá-lo a todo momento, para de fazer dele a base da sua vida. O meu pai nunca te amou, nem mesmo no momento da morte!
- Não diga besteiras para me atingir, menina.
- É ruim quando é com a gente, não é, dona Eugênia? O meu pai me disse com todas as letras em seu leito de morte. Te admirou muito, e sempre a respeitou... Mas amor? Ele sentiu somente pela outra. Ele me pediu para nunca deixá-la, mas tornou a repetir que o amor dele sempre foi a Dandára!
- Pare de inventar coisas...
- Meu Deus... - Maria respirou fundo enquanto passou as mãos pelo cabelo. - Me... Me perdoa! Eu não quis dizer nada disso, mas a senhora acertou-me como um faca, e eu...
- Some da minha frente, Maria Vitória... Desaparece!
- O que disse?
- Vai embora... Some da minha frente! - Eugênia jogou um jarro no chão. - SOME!






Escrava Sinhá [Concluída]Where stories live. Discover now