Capítulo 87

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       Maria Vitória:



          " Saí daquela sala sem ao menos olhar para trás, para ter certeza de que Fausto não estava vindo atrás de mim. Mas ele realmente não foi. Senti um aperto estranho, o que o levou a ficar confuso? Há uns dois dias antes fazíamos juras de amor um ao outro, e de repente ele não tinha mais certeza sobre nós dois.  


           Eu caminhava pela calçada, e confesso, não via nada em minha frente. No fundo eu sabia que deveria ter ficado, que deveria tê-lo escutado, que deveria ter resolvido de uma só vez toda aquela situação. Uma conversa seria a melhor maneira de tentar entender, e talvez ajudá-lo a pensar melhor, e a entender a ele mesmo.



          Passei o resto do dia em meu quarto, e até mesmo a minha mãe Eugênia parecia estranha comigo. Ela falou pouco, e também não me perguntou o que eu tinha. Cruzei com Henrique no corredor antes de entrar em meu quarto, e ele foi muito gentil ao me perguntar se estaria tudo bem com a minha pessoa. Não estava a muito tempo, mas eu respondi que sim. O mesmo chamou-me para uma conversa a qual eu desviei e deixei para depois... Queria ficar sozinha.



          A noite, na hora de dormir, todas as lembranças da minha vida começaram a passar em minha mente. Nas paredes do quarto eu podia ver exatamente imagens de tudo, desde a minha infância, até para onde tudo estava indo. Nessa pequena brincadeira eu descobri que saí da sala de Fausto sem ódio, sem raiva, só saí o mais rápido possível... Mas por medo. Tive medo do que poderia ouvir, afinal, já era de costume eu só ouvir más notícias. Obviamente também era do meu costume perder... Eu perdi muito até ali...  - Minha história, minha liberdade, o meu pai, minha família, amigos  - E naquele momento eu poderia perder também o Fausto.



          Chegava a ser engraçado, e em alguns momentos me peguei sorrindo. Eu não gostava de Fausto, pelo contrário, não o queria por perto. Mas se aquele certo senhor fez algo de bom na vida, foi ter programado aquele almoço para apresentar-me um pretendente. Conhecer Fausto foi uma imensa mudança na minha vida. Meus dias ficaram mais alegres, cada palavra boba dita por ele, fazia-me ficar cada vez mais apaixonada. Descobri logo o que era o tal do amor, e descobri que era muito bom... Principalmente quando pude conhecê-lo cada vez mais. Mas tudo poderia voar ao vento, se eu tivesse ficado ali para ouvir o que ele teria para me dizer.




          No dia seguinte eu não saí da pensão. Fiquei o dia inteiro a pensar no motivo para Fausto estar confusos em seus sentimentos. Mas eu, Maria Vitória, já tinha passado por muito até ali, e estava pronta para qualquer coisa que vinhesse a mais. A tal da conversa não demoraria, eu realmente queria saber de uma só vez o que estaria acontecendo. "










                    1 dia depois...





         - Bom dia!
         - Maria Vitória? Eu não a esperava aqui.   - Ele se levantou da cadeira em que estava, encostado na mesa, tomando uma xícara de café.
         - Pois deveria. Onde estão Bento e Rosário?
         - Faltaram coisas na cozinha, eu pedi que Rosário fosse até a venda comprar mais. Bento foi com ela, mas eu aviso que veio vê-los.
         - Eu vim ver você, Fausto.
         - Agora eu estou um pouco ocupado...
         - Você sabe sobre o que vim falar, não sabe?
         - Maria Vitória, eu peço desculpas pelo jeito como eu falei no outro dia, eu não queria magoar-te.
         - Mas me magoou, e muito! Passei a noite, e um dia inteiro a pensar em suas palavras, Fausto.
         - Eu também pensei muito, acredite. Eu ia procurá-la, mas eu não sei o endereço da pensão.
         - Como não sabe? O endereço foi entregue para o mensageiro.
         - No dia da prisão, então ele pode ter vindo e não encontrou ninguém.
         - De fato, sim! Mas então... É só isso que tem para me dizer?
         - Não... Por favor, vamos para a sala, sente-se, temos muito para conversar.   - Ela concordou.
         - Cá estou, sentada, e pronta para ouvir o que tens a me dizer.
         - Eu não sei por onde começar.
         - Seja o mais direto possível, Fausto.
         - Não quero que pense que sou um fraco.
         - Até agora não me deu motivos para pensar de tal forma.
         - Está bem... É... Maria Vitória, você sabe, e entende que existe um tempo para tudo, e para todos, não é?
         - Mas é claro! Eu bem sei disso.
         - Algumas vezes, nós pensamos que chegou o nosso tempo, que estamos prontos para esse tempo, e de repente pessoas podem nos mostrar que não, que estávamos enganados.
         - Fausto, eu estou tentando entender, mas está difícil.
         - Maria... Quando eu te conheci, quando eu te vi pela primeira vez, eu sabia que havia algo de muito especial em você. Eu vim para o Rio de Janeiro, voltei sabendo que teria uma garota me esperando, neta de um amigo do meu pai... E quando eu chego, me deparei com você, sua pele tão branca e delicada, seus olhos castanhos que conseguem falar sozinhos   - Ele sorria.   - Eu me vi apaixonado logo à primeira vista, e isso para mim era impossível!
         - Você já me falou tudo isso... O que há, de fato?
         - O que há de verdade, Maria Vitória, é que você me ensinou e me ensina tanto, mas tanto! Se outra pessoa tivesse que suportar metade de tudo que você suportou, não aguentaria. Você me ensinou uma força a qual eu acredito que nunca conseguirei ter... Aos poucos me tornei alguém muito diferente de quem eu era, e tudo graças a você!
         - Estou sem palavras, Fausto...   - Ela engolia o choro.   - Mas suas expressões se assustam.
         - Você disse para mim ser direto, e eu vou tentar    - Ele foi para perto dela, ficando meio ajoelhado no chão enquanto segurava em suas mãos que estavam frias e trêmulas.   - Lembra do tempo? Lembra da força?
         - Lembro.
         - Eu preciso muito tê-los, para então poder ficar com você, do jeito que eu quero.
         - Eu não estou entendendo ainda.
         - Maria... Minha mocinha, eu te amo tanto, mas tanto! De uma maneira que nem eu mesmo acreditei quando me dei conta. Eu quero tanto o seu bem, Maria Vitória, quero tanto que você seja muito feliz! Mas infelizmente, essa felicidade não poderá ser ao meu lado.
         - Fausto de Castro, filho do falecido coronel do Rio de Janeiro, retire imediatamente o que acabou de dizer!
         - Ei, me escuta...
         - Eu não quero ouvir mais nada!   - Ela se levantou.   - O que vai me dizer, mais, hã? Que o barão foi solto? A escravidão permanecerá no Brasil até o fim dos tempos?
         - Me escuta... Espera, me escuta Maria Vitória!   - Ele a segurou.
         - Por que está fazendo isso comigo, Fausto?   - Ela não se conteve, e se pôs a chorar.
         - Está sendo tão dolorido para mim, acredite! Eu passei noites em claro pensando nisso. Eu realmente preciso de um tempo, Maria. Eu preciso me sentir preparado, e capaz de formar uma família... Eu venho pensando nisso desde o dia do nosso passeio, e nesses últimos dias só reforcei.
         - Eu abri as portas do meu coração para você, Fausto. Eu deixei-me envolver em um amor que eu confiava ser recíproco.
         - Mas é! Eu já disse que te amo, Maria Vitória...
         - Me ama mas quer terminar comigo de uma hora para outra? Assim.. Do nada? Que amor é esse, Fausto?
         - Maria, me perdoa, por favor! Está sendo bastante difícil para mim... Mas eu não sou o melhor para você, eu não tenho uma profissão, eu só faço besteira, eu falo coisas inúteis, sou um irresponsável...
         - Não é não, o Fausto que eu conheço é o homem mais sensível desse mundo. É justo, paciente, é meu melhor amigo... É quem me tira risos quando tudo a minha volta insiste em me fazer chorar.
         - As pessoas não se importam com isso, Maria Vitória.
         - Eu me importo, e muito! E eu achei que só isso bastasse para você.
         - Isso para mim é muita coisa, juro... Mas não me basta. Eu vou tentar me conhecer melhor, eu vou me encontrar em algum lugar... Eu vou voltar para Portugal.
         - Portugal? Então vai embora?
         - Vou.
         - Meu Deus... Que raiva, sabia? Que raiva de mim!   - Ela o olhou nos olhos.   - Agora eu entendo as minhas duas mães... O amor realmente dói muito.
         - Maria... Eu queria muito ser diferente, que as coisas fossem diferentes.
         - Você planejando terminar comigo... E eu? Estava te defendendo, estava te querendo bem... Estava contando para a minha mãe Dandára como você seria um ótimo pai para os nossos filhos! Eu tinha uma vida com você inteira planejada, Fausto!
         - Eu também tinha, Maria Vitória, entenda! Mas eu sou um fraco, é isso... Um fraco! Me sinto o pior homem nesse momento, por estar machucando você... A melhor coisa que aconteceu na minha vida.   - Seus olhos já estavam vermelhos pelas lágrimas.
         - Já eu queria nunca ter te conhecido. Queria nunca ter te encontrado naquela estação... Queria nunca ter descido para aquele almoço... Eu queria nunca ter aceitado esse anel.   - Ela o tirou.
         - Não fala isso, Maria Vitória... Por favor, não fale essas coisas. E eu imploro, fique com o anel, ele é seu.
         - Não... Não é! Pois quando você encontrar o seu tempo, precisará colocá-lo em outra... Essa com certeza terá mais sorte do que eu.
         - Mocinha... Estou pedindo.
         - Obrigada por tudo que fez por mim... Exatamente tudo! Não pense que lhe odeio, mesmo que eu tentasse te odiar, para mim é impossível.
         - Eu que te agradeço... Por ter mudado a minha vida. Eu vou te amar pra sempre!
         - Para sempre é muito tempo, Fausto. E como você mesmo me disse... Tempo é o que falta. Adeus!
         - Adeus também é muito tempo.
         - Dependendo do caso... O Adeus também é para sempre.







Escrava Sinhá [Concluída]Where stories live. Discover now